27 de jun. de 2012

Aquele da infantilidade

Lá estava eu, sentado, lendo um livro qualquer na sala de espera do consultório do meu clínico geral, aguardando para ser atendido. Eu e uma menina, aparentemente da mesma idade que eu ou talvez um pouco mais velha, estávamos mofando naquele consultório há  intermináveis três horas quando eu resolvi fazer um lanchinho de glicose. Comprei um pacotinho daqueles biscoitos em forma de canudinho, recheado com chocolate e fui ignorar minha taxa elevada de açúcar no sangue em paz.

Eu mal tinha acabado de terminar meu pacotinho quando a vagabunda se levanta e, de todas as opções disponíveis, comprou o mesmíssimo biscoito que eu. Fitei incrédulo a maldita.

Naquela hora, em algum lugar das entranhas da minha alma uma necessidade perturbadora de olhar para a garota com todo o desprezo que eu pudesse juntar na hora cresceu dentro de mim. A minha vontade, honestamente, era de regredir minha idade mental por completo, virar e falar:

"Sua macaca de imitação ridícula."

Mas daí eu lembrei que eu não estava mais no jardim de infância.

26 de jun. de 2012

Aquele do atendimento da gráfica

Aqui em casa eu cuido da minha impressora scanner como se fosse a minha filha biológica. Aquela que saiu das entranhas do meu organismo, numa cesariana complicada que levou horas para ser realizada. Porque se meu scanner pifar da noite pro dia, até eu poder comprar uma nova, eu fico sem conseguir digitalizar meus desenhos com facilidade. Daí o quê: Num desespero súbito eu teria que depender das gráficas de xerox.

Eu não sei nos outros estados, mas aqui no Rio de Janeiro as gráficas de fácil acesso exploram o consumidor das maneiras mais absurdas e sem noção. Um dia desses minha amiga D. precisava escanear um desenho e acabou ficando na mão.

"Então, eu to querendo escanear esse desenho aqui.", ela disse junto ao balcão da gráfica, para a atendente.

"Custa um real para escanear.", recebeu em resposta.

"Beleza. Então escaneia e coloca nessa pendrive aqui, por favor."

"Pra colocar na pendrive é mais quatro reais."

"QUÊ? E pra mandar por e-mail?"

"Quatro reais também."

"Minha senhora. Se eu te pagasse um real pra escanear, você ia fazer o quê com o desenho? Guardar de presente pra gráfica?"

"Bem, aí eu escanearia e nós faríamos a conta..."

"Ah para! Não faz sentido só escanear! E vocês nem avisam antes sobre os quatro reais absurdos!"

"Então, senhora. O total daria cinco reais, mesmo."

"Ah não! Pagar quatro reais para colocar um arquivo na pendrive? Não dou! Parece até que precisa de formação profissional pra fazer o download! Muito obrigada, viu? Passar bem!"

Dedicação total ao consumidor.

25 de jun. de 2012

Aquele dos elogios

Eu não sei lidar muito bem com elogios. Ou eu acho que a pessoa está tirando uma com a minha cara ou o meu ego infla.

"Você tá tão bonito!", me disseram.

"Ai, obrigado!", respondi.

"Vamos juntar a galera e tirar uma foto!"

"Bora."

"Nossa, ficou super bonita!"

"Ai para! Mas obrigado de novo!"

"Não... não você. A foto."

"Ah."

19 de jun. de 2012

Aquele dos 26 estados

Eu devia ter uns dez, onze anos na época quando passei a maior vergonha da minha vida acadêmica. A pressão da faculdade e meus primeiros empregos foram fichinha em comparação a primeira humilhação pública que eu passei em toda a minha vida. Acho que estávamos no meio da aula de Redação quando o diretor da minha primeira escola entrou na nossa sala de aula, num costume corriqueiro, para discursar algumas palavras sobre o amor à pátria e sobre como a educação era importante para o nosso país, o que nenhum aluno realmente parava para prestar atenção. O nome do diretor agora me falha na memória, mas vamos chamá-lo de Emanuel.

Emanuel era um velho babão. Já devia estar com o pé na cova e ninguém exatamente dava bola para o que ele falava porque ele já não batia muito bem da cabeça por causa da velhiche, ele tinha lá os seus problemas e maioria das palavras que ele pronunciava, ou grunhia, eram praticamente impossíveis de se identificar. Toda a vez que ele entrava numa sala de aula para proclamar seu discurso moralista ele escolhia algum aluno aleatório para responder a alguma pergunta da vida. Eu nunca dei muita bola para isso porque eu sempre fui invisível na época do ginasial, mas daí um dia ele apontou para mim.

"Você.", ele disse. "Quantos estados tem o Brasil?"

Quantos estados tem o Brasil? Eu pensei. Eu sei lá quantos estados o Brasil tem! Qual é a importância disso? Vai ajudar a salvar vidas eu saber de cor quantas porras de estados tem a porra do país? Se ele quer saber quantos estados tem o Brasil, que pegasse um maldito Atlas e contasse os estados um por um ele mesmo! Mas não, ele tinha que perguntar diretamente a mim, no meio de todos os meus colegas e professora.

"Ah, essa é muito fácil!", murmurou uma vagabunda sentada ao meu lado.

Eu olhei pra vagabunda de esguelha por um segundo, e voltei o olhar para o velho babão, que ainda tinha os olhos fixos em mim, naquele meu estado patético de não saber o que responder.

"Ah, er... sei lá.", eu respondi.

"Mas como assim você não sabe?", ele persistiu.

"Ué, eu não sei, o que eu posso fazer?"

"MAS É POR ISSO QUE A EDUCAÇÃO DO PAÍS ESTÁ COMO ESTÁ, BLÁBLÁBLÁ, EDUCAÇÃO, BLÁ, WHISKAS SACHÊ, EDUCAÇÃO, BLÁBLÁ."

Acho que para meus colegas o episódio não foi de total importância. Talvez por nenhum deles nunca na vida ter parado para contar quantos estados tinha o Brasil, não sei. Mas sei que minha humilhação em público não acabou virando piada nacional, para a minha sorte. Mas por possuir uma alma de aluno estudioso por toda a minha vida, até hoje eu lembro desse dia com ódio no coração.

Eu nem sei se o diretor Emanuel morreu, se tá vivo, se está em coma numa cama de hospital respirando por um tubo, mas por mim e por todos os alunos cujo do desespero momentâneo ele se alimentou, eu espero sinceramente que ele arda no mármore do inferno. Não que eu acredite no inferno, é claro.

15 de jun. de 2012

13 de jun. de 2012

Aquele da doação de sangue

Com toda essa movimentação da Parada Gay e tudo mais, um monte de gente resolveu voltar a falar das restrições absurdas sobre barrarem as tentativas de homossexuais doarem sangue, que não pode, que é sangue de risco, lálálá. Mas tem bicha que é tão altruísta, né, com aquela vontade ardente no peito de "Vou mudar o mundo" que até se faz de hétero pra poder ajudar quem tá morrendo.

Não consigo ser assim.

"Ah, porque eu meu recuso a doar sangue nessas condições.", eu disse.

"Mas nem se você não recusasse, né, bonito.", retrucou meu namorado. "Cinquenta quilos você tem! Depois de tirarem seu sangue vão ter que colocar tudo de volta, magro do jeito que você é. Vai nem aguentar ficar em pé."

Ridículo ele.

10 de jun. de 2012

Aquele do miado infernal

Meu namorado mora sozinho e vivia reclamando que não tinha um animalzinho pra lhe fazer companhia, já que eu faço faculdade, moro com meus pais e tenho um blog pra cuidar, então não é sempre que eu posso ficar divando à toa na casa dele. Há um mês atrás ele salvou uma gatinha recém-nascida largada ao relento num dia chuvoso, enfurnada numa caixa dentro do metrô. Tudo era felicidade. As noites frias não eram mais tão solitárias, ele dizia. Estava tudo muito bom.

Uma semana depois a gata acorda morta.

Foi o caos. Ele resolveu fazer velório pra gata, velada em pano branco para simbolizar sua pureza e se despediu dela ao som da marcha fúnebre. Pagou até o filho da vizinha, de dez anos, para mexer na terra e enterrar o caixão no quintal. Tudo requinte.

Daí esses dias eu estava passando a noite na casa dele e um miado infernal que só eu escutava estava me levando a loucura.

Miau miau miau.

"Tá ouvindo?" eu perguntei.

"Ouvindo o quê?"

Miau miau miau.

"Aí, ó! O miado! Tem um gato miando!"

"Não to ouvindo nada."

Passou meia hora, passou uma hora e o a miadeira persistia aos meus ouvidos. Fiz de tudo, desliguei a TV, apontei para onde estava ouvindo os sons. Nada funcionava. Eu estava começando a achar que era o espírito exú da gata que tinha vindo me assombrar.

Mas não, quando finalmente o surdo do meu namorado resolveu ouvir o miado, descobrimos que uma gata nojenta que perambula pelas ruas lá do bairro dele tinha dado cria há um mês e arrastou, olha que lindo, ela arrastou os filhotes pra DENTRO do quintal de casa. Provavelmente porque estava muito frio e chuviscando, normal. Enfim, acabamos adotando uma gatinha filhote pra nós e deixamos a gata levar o resto deles pra rua. E então FINALMENTE eu estava livre do maldito miado.

Como eu estava enganado.

Eu não sei por que gatos cismam em se enfiar em todos os buracos IMPOSSÍVEIS de saírem facilmente. Sabe-se lá como, um dos filhotes se enfurnou no vão MINÚSCULO entre o teto de casa e o telhado. A miadeira, então, persistiu fielmente porque embora somássemos esforços para tirar o gato de dentro do telhado, ninguém conseguia meter a mão lá dentro para agarrá-lo e o filhote simplesmente não conseguia ou não queria sair sozinho. A única opção era esperar a gata maldita atender aos miados intermináveis do filho que saiu de dentro das entranhas DELA e fazer o mínimo para libertá-lo. Responsabilidade materna no reino animal, não vemos por aqui.

Passei mais umas DUAS NOITES com a porra do gato miando no meu ouvido. Nem dormi direito. A gata maldita fazia tudo, comia, dormia, brigava com os cachorros da rua, menos entrar em casa pra tirar o filhote de lá. Depois de um tempo, vimos a bichana se espremer pra dentro do quintal daqui e sumir de vista. No dia seguinte não se ouvia mais miadeira alguma então demos um AMÉM porque o filhote, aparentemente, saiu de onde estava preso. Ou vai ver ele morreu de fome, não sei. Mas se for essa opção devemos ter certeza logo, porque se for, o problema não vai mais ser o miado. Vai ser o fedor de carniça.

6 de jun. de 2012

Aquele do acidente de trânsito

Ruas sem faixa de pedestre me irritam. Quero dizer, o que mais atrasa a sua vida do que precisar ficar brincando de passa-ou-não-passa, corro-ou-não-corro com carros, ônibus e caminhões que não ligam a mínima para se você está atrasado para um compromisso ou não? As pessoas precisam saber que isso realmente é um problema no Rio de Janeiro.

Tem umas ruas lá no centro do Rio que são o capeta pra se lidar porque você tem que andar a avenida inteira para achar o lugar certo para atravessar, o que nem sempre é um bom négocio porque, afinal, os motoristas daqui atravessam sinal vermelho a torto e a direito. Pra mim pelo menos atravessar a rua em alguns desses lugares requer o elemento coragem. Quer dizer, a gente não pode ter medo de morrer. Mas isso não é um problema tão grande pra mim porque eu estou quase completamente convencido de que vou morrer num acidente de trânsito.

Outro dia eu quase morri atropelado. De novo. E se eu não fosse ateu, juraria que no mínimo pelos últimos dezenove anos, Deus vem insanamente, desequilibradamente, constantemente tentando me matar num acidente de trânsito. Porque não é brincadeira as vezes que eu sabe-se lá como consegui me safar de ser erguido ou ter o corpo tragicamente amassado por um carro. É tipo absurdo. Eu já fui “quase” atropelado várias vezes. De todos os jeitos possíveis. Sabem matrix? Quando a pessoa se esquiva das balas em câmera lenta? Já aconteceu comigo. Mas não eram balas, era um caminhão.

Por ironia do destino o único meio de transporte que conseguiu a façanha de atravessar suas rodas por cima do meu corpo foi uma bicicleta, enquanto eu andava feliz de patins. Mas a culpa dessa vez não foi minha ou da minha necessidade estúpida de provar que consigo ser mais rápido que conduções. Eu tinha seis anos. Me ralei todo. Saiu sangue. Uma menina aqui da rua resolveu se certificar se passar por cima de uma criança com a bicicleta era realmente um ato perigoso. Eu nunca vou esquecer desse dia.

Mesmo assim, acho melhor eu começar a tomar mais cuidado com o trânsito a partir de agora. Não quero entrar para as estatísticas.